domingo, 22 de novembro de 2009

Para abrir os olhos


Fazia muito que não tinha maratonas como ontem à noite, três festas, fui perdendo pessoas em cada uma em que entrei. Algumas com nome sugestivo, Orgamos de (quatro) anos, algumas nem sei o nome.
Em busca de algo que não sabiamos o que era, fomos ao lugar de costume, nem mesmo o fato de não poder fumar na pista de dança me deixa injuriada quando se trata do Cabaret, nome sugestivo, um inferninho que frequento há anos, e que ultimamente tem me feito enxergar certas obviedades que não costumo ver normalmente.

Não sei identificar coisas óbvias, me dá dor de cabeça, às vezes, dependendo da situação após algumas horas minha ficha cai, outras coisas demoram dias, mas elas caem um dia, nem sempre eu gosto do gosto do processo de ver tão claro o que antes me parecia um emaranhado de informações.

Dancei música lenta, rostinho colado, tudo de brincadeira -gosto de covinhas - existem pessoas que me fazem sorrir naturalmente, gosto de rir com o pessoal que trabalha no bar, são pessoas de bem, são divertidos, e ontem eu precisava liberar minha energia, então dancei ensandecidamente durante um bom tempo. Parecia uma dança sem fim, dentro de uma tempestade, onde eu enxergava apenas meus pés, mãos e braços, escutava a música, sentia o suor, sentia as pessoas que esbarravam em mim, mas não podia ve-las, permaneci assim.

Às 5h da manhã sentei-me em um sofá rasgado, sujo e molhado, com os pés doloridos e a cabeça ainda girando pela bebida que havia consumido em casa, mas já estava sóbria. Sobriedade que me fez imaginar estar em um clipe do Chemical Brothers. Depois de dançar por horas e me sentir eufórica, com muita energia, esse sofá me acolheu, me abraçou, e eu me deixei envolver, mesmo com todos os seus defeitos, mesmo com todos os seus furos, e rasgões ele era minha porta de entrada para o inicio da observação da noite.

Quando eu falo em Chemical Brothers me refiro à música 'Hey girls, hey boys', em que uma mulher pode ver os esqueletos das pessoas se movimentando, como se não existisse carne, como se todos fossem iguais. Eu me sentia assim ontem, eu não ocnseguia ver os rostos, não sentia os cheiros, não conseguia nem me expressar por palavras, meus olhos se movimentavam em uma velocidade tamanha, eu queria captar tudo ontem, mas parecia que as pessoas estavam drogadas demais, bêbadas demais para verem certas coisas: a menina baixinha, de trancinhas no cabelo, não percebeu, ao dançar de olhos fechados, que o rapaz ao seu lado lhe olhava atentamente, cada passo, cada gesto dela era acompanhado pelos olhos do espectador atento. O movimento suave do seu corpo, o balançar do cabelo fazia com que o menino não conseguisse desviar o olhar, ele só o fez quando seu amigo derramou cerveja em suas calças.

O menino loiro que beijava o moreno, o abraçava com tanta ternura que deduzi que eram namorados, suas mãos percorriam o rosto do companheiro, passavam pelos cabelos e repousavam cruzadas atrás das costas do rapaz, e assim eles ficaram por um longo tempo, admirando uma ou outro, sem beijos, apenas com toques. Eles se foram. Deram as mãos e foram, não vi movimentação labial, acho que era explícita a vontade dos dois, e eles se entendiam.

Havia duas meninas e dois rapazes muitos alterados, suados e frenéticos, a cada música pulavam mais e mais, bebiam mais e mais, era reconfortante estar sentada e sóbria.

Perdi a voz. Talvez por ter gritado umas sete músicas seguidas, talvez por já estar gripada, talvez por ter fumado, fumei pouco, bebi pouco, mas o suficiente para as duas coisas me fazerem mal, e de repente acender uma luz dentro de mim, aquela voz que provavelmente aparece um dia na vida: "se te faz mal, pára, isso é para abrir os olhos".

E eu abri, e vi que todas as pessoas na minha volta estavam envoltas em seus mundos, de olhos bem fechados, não no sentido literal. Eu queria poder abrir os olhos de cada um, mas são tantos e eu sou apenas uma garota.

Com os olhos abertos, muito abertos, fui me despedir, um por um, novos e velhos amigos, agradecendo mentalmente por cada um fazer parte do meu mundo de olhos abertos, e de não me julgarem por eu, às vezes, ter meus momentos de olhos fechados.

Aprendi o real sentido de palavras carinhosas, e consegui aceitá-las, não consigo aceitar normalmente, mas aceitei, aprendi o não, e o sim, e por vezes fiquei em dúvida entre os dois. Já não me pertencem as dúvidas, consigo distinguir, espero.

Conta paga, chuva, táxi!

Pedi para o taxisista me deixar uma esquina antes, e descalça caminhei vagarosamente até em casa, sentindo os pingos baterem na minha pele e deixarem as ultimas fragrâncias do meu perfume irem embora. Uma mistura de suor, perfume, e outros cheiros, escorregavam por meus cabelos, e corpo, e morriam no chão.

Casa, banho quente, cama, lençóis negros. Fechar os olhos novamente, mas dessa vez apenas no sentido literal.

Abri os olhos, minha cabeça dói, e só consigo pensar em aspirinas, e em uma TV no meu quarto, ficar deitada o dia todo, sem me mexer, sem movimentações, sem telefone, ou internet, apenas eu e meus pensamentos, mas não gostaria de me afogar nesse dia, gostaria sim de conversas amigas, cheiro de flores, sem cigarros, sem bebidas, sem nunca mias fechar os olhos . E dou de cara com pessoas queridas, que todo dia conversam, todo dia se fazem presentes, e mesmo em situações adversas, me olham nos olhos, e dialogam palavras para abrir os olhos, os meus e os deles.. e os de quem não sabe ver certas obviedades.

6 comentários:

Lu disse...

demais. ótimo texto Grazi.
e mantenha-se de olhos abertos ;)
beijo

Melina disse...

Tu teve um momento total Ensaio sobre a cegueira, de Saramago, que tu relatou lindamente!!!Mara poder abrir os olhos...mas acho que ainda não alcancei isso, parece que entrei fase de fingir não ver.
Bjus

Tanto disse...

Minha última maratona faz um mês, depois de longo tempo também... e foi mais ou menos assim... Cheguei em casa por volta de 10 h da manhã... Gostei muito do texto!

Guilherme Gomes Ferreira disse...

que lindo, Grazi; perceber as pessoas dessa maneira é realmente maravilhoso, e é bom saber que participei dessa maratona de "perdas de amigos em cada festa", e que estive contigo até o final delas =D

te adoro.

Natalia Borges Polesso disse...

"Redescobrir-se. Pela invenção dos fragmentos que pontuam os meus olhos, eu perco a noção do todo. E no meu mosaico do teu eu, o meu eu recria a pessoa que pode vir a ser. Um engano, uma realidade, um fractal, ponto perdido no abismo de vontades do querer tramar, o mais densamente possível, algo de concreto. Reconhecer-se."

=)

Grazi disse...

Nossa Naty, morri!